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REVISTA
CONSTRU
CHEMICAL
43
artigo
Existe um design cerâmico brasileiro?
Em outras palavras, existe um estilo brasileiro de se fazer design para
revestimentos cerâmicos, como existe um design italiano, por exemplo?
* Camila Márcia Contato Lamberti
A retomada do crescimento econômico, o surgimento de uma nova classe
média e a gradual superação do enorme déficit habitacional existente propor-
cionaramuma ampliação no consumo de revestimentos cerâmicos no Brasil,
na última década.
Com esse fortalecimento do setor, cresce proporcionalmente a responsabilida-
de do design, uma vez que esse novo contexto apresenta também um consumidor
muito mais exigente, e concorrentes internacionais, muito mais acessíveis. Dessa
forma, aumenta a demanda por umdesign de qualidade, que se baseie e enfatize as
características culturais, estéticas e de consumo do mercado brasileiro. Um design
que tenha efetivamente a cara de nosso País, com toda sua diversidade e riquezas.
Mas quais são essas características?Que fatores atribuemqualidade indiscutível
ao design cerâmico de países tradicionalíssimos no setor, como Espanha e Itália?
O design europeu sempre foi uma grande referência para a indústria cerâmica
dos demais países do mundo. Diferenciavam-se pela forma arrojada, inovadora e
criativa comque exploramnovas técnicas, cores e formatos. São referências, inclusi-
ve, no próprio processo de produção, por meio de novos equipamentos, novas téc-
nicas de fabricação e a otimização da cadeia produtiva de revestimentos cerâmicos.
Esses diferenciais são o resultado de uma profunda valorização da cultura,
da história e das inspirações que envolvem o designer. Sendo assim, o design
reproduz e dissemina riquezas de seu patrimônio, como osmosaicos de Barce-
lona, a diversidade cultural de Madri, a tradição de Valência, os mármores de
Roma, amodadeMilão, a riqueza estéticadeVeneza, as inovações tecnológicas
de Bologna, entre outras.
Itália e Espanha são o berço do revestimento cerâmico, com seus cursos e cen-
tros de pesquisas, sempre descobrindo novas formas de se empregar e reciclar ce-
râmica e porcelanato. Trata-se de um ciclo virtuoso, o qual ensina e aprende como
mundo todo, sempre reinventando o seu próprio fazer.
Nesse contexto, a valorização de seus profissionais do setor é primordial e se faz,
com intercâmbios e cursos de atualização constantes. São esses profissionais que
podemser encontrados por todo canto do planeta, instalando equipamentos, aper-
feiçoando processos, contribuindo para que indústrias do mundo todo produzam
commais qualidade emenos custo. Como knowhow europeu, é claro.
Outro player de destaque, nesse cenário, é a indústria chinesa, quemuitas vezes
abremão de umdesign com identidade nacional emprol dos ganhos proporciona-
dos por sua gigantesca escala de produção.
Com esse poder de escala, a China fabrica revestimentos cerâmicos e porce-
lanato para o mundo inteiro. Porém, sua produção se baseia em estilos e design
já estabelecidos, padronizados pelos importadores estrangeiros, porque não existe
um desenvolvimento e pesquisa nacionais com esse foco. Ou seja, a prioridade é a
otimização fabril, combaixo custo e grande produtividade.
Aausênciade centros depesquisas chineses e seu foconaprodução favorecemos
clientes internacionais, os quais visamobter somente cópiasmais baratasdeprodutos
estrangeiros de design reconhecido. Ou seja, tais clientes identificam tendências eu-
ropeias e as levampara ser produzidas emescala pela indústria chinesa.
É o chamado design genérico, sem personalidade ou identidade nacional.
Por isso, a qualidade dos produtos chi-
neses sempre foi considerada duvidosa.
Entretanto, hoje em dia, sua produção já
pode ser considerada tecnicamente supe-
rior aos seus correspondentes fabricados
no Brasil. Somando-se os baixos custos
produtivos e a baixa tributação daquele
país sobre suas exportações, os revesti-
mentos made in China se tornam muito
interessante, ainda que com um baixo
apelo em termos de design.
Então, como fazer frente, por um
lado, à qualidade indiscutível do design
europeu e, por outro, ao crescimento do
design genérico chinês? A resposta é uma só: um design de qualidade com as
peculiaridades do Brasil.
A discussão sobre um design de características nacionais já é antiga, vem pelo
menos desde a criação da Escola Superior de Desenho Industrial, em 1963, e en-
volveu designers de grande renome, como AlexandreWollner, Geraldo de Barros,
Aloísio Guimarães, Walter Macedo, Chico Homemde Melo, entre outros. Sempre
coma obrigação de superar a desconfiança e comprovar sua qualidade.
Mais recentemente, designers como os Irmãos Campana e Romero Britto ti-
veram suas criações reconhecidas primeiro no exterior para só depois começarem
a ser aceitos em seu próprio país. Dessa forma, ainda que gradativamente, o Brasil
começa a reconhecer suas riquezas e valores e o consumidor nacional passa a acei-
tarmelhor produtos comnossas próprias características.
Portanto, ganhamespaço profissionais do designque buscamdesenvolver uma
identidade própria, brasileira e autoral, comoMarcelo Rosenbaum, Renata Rubim,
FábioGaleazzo, Guto Requena, Adriana Yazbek e outros.
E qual é o caminho para se fortalecer o crescente design cerâmico brasileiro?
Os incentivos de instituições como Aspacer, Anfacer, Museu Casa Brasileira-
-MCB e até autônomos são de grande importância para estimular profissionais
e empresas a valorizareme retrataremnossos hábitos, costumes e belezas. Dessa
forma também, são fundamentais o crescente número de concursos de design,
os intercâmbios de experiências e os treinamentos no exterior, além de seminá-
rios, encontros, cursos e palestras que favoreçam a formação crítica e criteriosa
do designer cerâmico brasileiro.
Assim, podemos concluir que o Brasil continua adquirindo design de estú-
dios e fornecedores italianos e espanhóis, bem como é invadido pela poderosa
escala de produção do design genérico chinês, mas, paralelamente, também
estamos buscando desenvolver de forma gradual uma identidade própria, rica,
diversa emulticultural.
*CamilaMárcia Contato Lamberti é gerente de produtos e outsourcing do
Grupo Incefra